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Foto do escritorVictor Finkler

A RACIONALIDADE TÉCNICO-INSTRUMENTAL DO AMOR EM BRILHO ETERNO DE UMA MENTE SEM LEMBRANÇAS (2004)

A racionalidade técnico-instrumental do modo de produção centrado no capital também está presente nos pormenores da produção artística/cultural, racionalidade essa que é a racionalidade da própria dominação, uma repressão de uma sociedade em processo de autoalienação. O amor, como toda forma de expressão e sentimento humano, é um processo individual suscetível à positivação das forças produtivas, e com isso adquire uma função econômica ainda mais subjetiva do que em outros períodos da humanidade.


Um impulso de correr e um trem para Montauk. A casa na praia e as ondas frias. No expresso da volta. “Que coincidência”. E não sabemos se é, mas imaginamos que não.


Joel e Clementine têm um belo reencontro. Só depois sabemos do passado. A Lacuna. Lacuna Inc. Esquecer é o negócio. Conforme descobrimos o que ambos fizeram descobrimos o que eles foram, quem eles são, e o que se é e o que se não é com base nas pessoas que amaram e conviveram. A Lacuna que fica, como uma coluna na sala que não tinha serventia, mas fazia diferença como presença, com a diferença que as pessoas tem serventia, somos sociais, e serventia não deve se confundir com utilidade.


Descobrimos a causa da surpresa de Patrick quando encontra Joel na frente da casa de Clem. E descobrimos como a desconstrução narrativa nos direciona por relacionamento que foi sufocado.


Espaços e cenários que vão perdendo seus detalhes conforme volta o tempo. Retrocesso. Seja pela distância ou pelo uso de entorpecentes. Lembro de não-lembrar mas nunca me lembro de lembrar.


Eternal Sunshine of the Spotless Mind (2004), dirigido por Michel Gondry

Hormônios ativados por sinapses e caminhos elétricos pelo cérebro desenhando em um mapa cerebral o que chamamos de "memórias", apagadas como uma tatuagem a laser pelos cabos elétricos e seus monitores.


O filme representa uma inversão interessante, não o de uma negação do amor romântico idealizado, mas sim como o capital vai reforçar esse ideal com a constituição de um mercado para o apagamento do amor falho, humano, real.


O amor racionalizado, mensurado, enquanto fetiche pela ciência como reveladora dos “segredos” da alma e espírito. O amor é um negócio. Flores. Cartões. Pelúcias. O mercado existe como afirmação do amor romântico. Amor são coisas. Amor é capital. Memórias são coisas. Memórias se tornam mercadoria descartável. O curioso são as próprias coisas que expressam uma representação de amor, de “pensei em você”, “lembrei de ti”, formam uma coletânea do amor dentro de sacos de lixo e caixas.


- “Isso aqui tem uma história engraçada…”

- “Por favor, não diga nada, apenas se concentre no objeto”


Os objetos são o ponto de chegada para o ponto de partida.


A perfeição dos meios se torna a perfeição do amor. A perfeição da técnica em criar a ilusão da reprodução de um amor perfeito. Que, como tudo que é perfeito, nunca existiu. “Dominação” de si em um caráter totalitário, que no estágio das forças produtivas capitalistas retratadas, com seu novo nicho de mercado de amor, mostra como a racionalidade do indivíduo no capital necessita um certo nível objetificação do outro para ser traduzido em desejo, para ser quase Sartriano. Desejo por coisas = desejo por pessoas.


Brilho eterno que deixa uma mente sem lembranças. Um dilúvio que arrasta aqueles fragmentos restaurados, simbolizados em paredes, rostos, mobílias e situações, as interações do eu com o outro e com as coisas. A casa na praia, sendo devorada pela infestação de um invasor em um cenário catártico.


Eternal Sunshine of the Spotless Mind (2004), dirigido por Michel Gondry

“Muitos caras acham que sou um conceito”, o conceito como a coisa em si e a forma de se perceber aquela coisa? “Que eu os completo”, o amor não completa ninguém, o amor grande parte das vezes não faz jus ao seu próprio conceito, seja lá qual for.


O amor que, na contradição entre idealismo e práxis, se manifesta dialeticamente em seu oposto: ódio. De um extremo ao outro, no qual o resultado pode ser observado numa mediação. O ontológico será sua experiência para além do que é tecnicamente posto e calculável, configurável e delimitado, seu invisível aos olhos pelos pixels do monitor.


A técnica faz a conexão entre o amante e o amado, como a fita de músicas, as cartas escritas, o bilhete da Lacuna Inc. contando que Clem decidiu esquecer Joel. As coisas podem vincular ponto A ao ponto B, mas nunca será o amor a coisa em si, pois mesmo apagadas as memórias o amor atravessa o caminho administrado.


O amor como fisiologia pode ser rastreado, apagado, removido, como um apêndice inútil, é esse o removido pela tecnicidade. O amor como abstração se torna tudo e nada. O amor que, enquanto realidade, enquanto "eu te amo" é o "tudo bem" dito por Joel ao final, o tudo bem pelos defeitos e imperfeições de ambos.


“Só espere. Eu não sei. Quero que espere… só um pouco”

“Ok”. 

“Sério?”

“Não sou um conceito, Jorge, sou uma garota fodida procurando por paz de espírito. Não sou perfeita”

“Não vejo nada que não goste em você”

“Mas vai ver”

“Mas agora não vejo”

“Mas você vai. Você vai achar coisas. E eu vou me sentir entediada e me sentir presa. Porque é isso que acontece comigo”

“Tudo bem”

“Tudo bem… tudo bem”


Eternal Sunshine of the Spotless Mind (2004), dirigido por Michel Gondry

Quebra-se o metafísico mitológico romântico remodelado pelo racionalismo-técnico, o imperfeito acaba com isso, quebra-se o feitiço, o fetichismo pela mercadoria amor.


E as lágrimas caem sem sal adocicadas pela risada pela noção da própria loucura, da loucura que é amar acompanhada de um certo grau de eterno-retorno, mas mais do que isso, pela inevitabilidade do amor como cruzamento de dois erros que escolhem objetivamente errarem juntos. A falha da razão técnica no apagar das luzes molda um amor consciente de seus limites, com superação pelo que se foi e disposto a mudar.


O brilho eterno de uma mente que ama para além das coisas, ama pessoas, e tudo que elas trazem consigo.


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