Quando Goethe, em 1774, escreveu sobre um romance inalcançável, não imaginava que a mistura entre o amor e a morte teria um sabor único e viciante.
A derrocada visceral de um romance jurado eterno é o fio condutor do drama erótico da enfant terrible do cinema europeu. Em Love (2015) acompanhamos o despertar de Murphy dentro do pior ano novo de sua vida. Ao acordar do lado de sua esposa e despertar seu pequeno filho, percebe, em seu celular, uma ligação perdida e um correio de voz de sua ex-sogra, Nora. Ao conferir, escuta a voz chorosa de uma mãe atrás de sua filha. Electra, ex namorada de Murphy está desaparecida há dois meses. É com esta informação que entramos nas lembranças de um amor pulsante.
Love (2015), dirigido por Gaspar Noé.
Através de flashbacks, entendemos como se deu o fim de Murphy e Electra, intrinsicamente ligado ao início de Murphy e Omi. Murphy e Electra, após conversarem sobre esquentar a relação chamando outra mulher à cama, acabam conhecendo Omi no hall do prédio em que vivem. A nova vizinha chama a atenção de ambos e apenas com um olhar, percebem que Omi seria a garota perfeita. Durante uma confraternização dos três em um restaurante, Murphy e Electra convidam Omi ao apartamento onde moram, dando uma breve desculpa, a que eles fumassem um pouco de maconha. Durante os tragos os três se jogam na cama, para se conhecerem um pouco melhor.
Love (2015), dirigido por Gaspar Noé.
O relacionamento entre Murphy e Electra nunca foi o mais exemplar, a traição era uma constante esporádica. Cenas de Murphy transando com outra garota no banheiro de uma festa e cenas de Electra se relacionando com o seu ex-namorado (interpretado pelo próprio diretor) são as provas cabais disso. Todavia, é com a entrada de Omi que a relação entre o nosso casal tem seu fim.
Em uma tarde, Murphy e Omi transam. Dentro de Omi, o preservativo que Murphy estava usando se rompe e Murphy a engravida. Electra, ao descobrir, jura ódio eterno ao seu companheiro e põe um ponto final em sua relação. Murphy insiste em ir atrás de sua amada, sem resultados. Em uma tentativa doentia de esquecer Murphy e amenizar seu ódio, Electra se entrega às drogas e amplia a amizade com o seu traficante.
O fim de Murphy e Electra é a primeira exposição do luto no filme. Segundo Vigotski, em seu texto de 1927, "O significado histórico da crise da Psicologia: Uma Investigação Metodológica", a morte não é apenas algo físico, não é apenas a morte total do ser humano:
[...] A morte é interpretada somente como uma contraposição contraditória da vida, como ausência da vida, em suma, como o não-ser. Mas a morte é um fato que tem também seu significado positivo, é um aspecto particular do ser e não só do não-ser, é um certo algo e não um completo nada. E esse significado positivo da morte é desconhecido pela biologia. Na verdade, a morte é a lei universal do vivo; é impossível conceber que esse fenômeno nada represente no organismo, isto é, nos processos de vida. É difícil crer que a morte careça de significado ou só tenha um significado negativo.
(VIGOTSKI, 1999, p. 266)
Com isso em mente, compreendemos a existência de uma morte simbólica, uma morte desvinculada da morte total. Levando em consideração a situação de Murphy no presente do filme, é perceptível uma brecha de poucos anos entre o término com Electra e sua atual situação com Omi. Tempo este que não se fez suficiente para aterrar o amor por sua ex.
Love (2015), dirigido por Gaspar Noé.
No presente, além das lembranças e algumas fotos, o vínculo de Murphy com Electra é representado através de um comprimido de ópio puro, dado por Electra ao amado, o qual ainda é guardado dentro de uma case de VHS de Seul Contre Tous (1998) , também dirigido por Gaspar Noé. É, ao engolir o comprimido, que Murphy inicia a vivência de seus lutos por Electra. Não temos a total confirmação do paradeiro de Electra, entendemos que a bela tenha cometido suicídio, não sabemos como ou quando. Seus impulsos eram fortes. Murphy não sofre apenas a morte de sua amada, sofre também a nostalgia, os bons momentos e suas escolhas.
Love (2015), dirigido por Gaspar Noé.
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