O que se tornou comum ao cinema ocidental e sua predisposição ao sentimentalismo asséptico foi a espetacularização e fetichização das mortes dos judeus. “Zona de Interesse” se torna assim um filme singular ao abordar o Holocausto por um dos escopos que o particulariza entre os demais genocídios históricos: o Holocausto representa o ápice da perfeição técnica dos meios em um modelo de produção capitalista que atingiu seu estágio mais reacionário, chauvinista e instrumental.
Torna-se necessária uma obra que reconstitui o projeto do Holocausto representando-o como este foi operacionalizado e sistematicamente instrumentalizado em uma funcionalidade produtiva a partir da atividade de fábricas de produção de não-valor voltadas para um fim: exterminar judeus.
Tal constituição de processos e procedimentos só é possível de se materializar a partir do financiamento, tudo se faz com dinheiro, e é mérito do filme explicar isso. O nazismo que o ocidente capitalista se apropriou como epítome antagônica, direcionada para uma metafisicalização maniqueísta dos falsos valores de “democracia” e “liberdade”, só existiu enquanto projeto (econômico-político de classes) e alçou o status de malignidade máxima (regime) por representar os interesses da burguesia de seu tempo, sobretudo proteger sua propriedade dos meios das possibilidades de uma revolução socialista do proletariado. A união do Estado com a Burguesia assume novas características a partir de um refinamento dos meios em aspectos tanto produtivos técnicos quanto na ideologização chauvinista em uma dialética intraestética-operativa.
Quando Rudolf Höß se senta numa longa mesa com outros representantes do regime e discutem como irão alocar centenas de milhares de judeus em trens e direcioná-los para Auschwitz pode-se notar o que tento explicitar através de uma crítica ao capital: genocídios só se fazem com dinheiro, por quem tem o dinheiro, e para manutenção e reforçamento da hegemonia dos donos do dinheiro.
O caráter cotidiano-administrativo do Holocausto é importante para nos fazer perceber que, por trás de câmaras de gás e fornos, existe a racionalidade técnico-instrumental do capital. Rudolf, em seu confortável escritório ao lado de assistentes e de um empresário, analisam se o novo modelo de fornos em salas circulares funcionarão para a cadência de incineração de judeus homens, mulheres e crianças, se a eficiência compensa o gasto.
Os campos manchados de sangue ou a fuligem que se estendem por quilômetros são os estágios finais derivados dos escritórios e corredores assépticos, tais como os da visita de Rudolf à Berlim, fazendo reuniões, conversas e exames em corredores e salas branco-esverdeadas. Nas marchas e uniformes imponentes dos oficiais pomposos e de um impotente falso imponente Rudolf existe a estetização da política na forma para uma necessária abstração de seu conteúdo, quando na realidade a intrinsecabilidade do conteúdo para com a forma é inevitável, os parabéns de aniversário dados pela comitiva na soleira da porta que é simultaneamente o tapete de boas-vindas do maior campo de concentração da história do nazismo demonstra o luxo da barbárie brindado com xerez.
Comments